B U R I T I G R A N D E, O C A R Á T E R D O M I N E I R O
Palestra proferida no IV ERAR, Encontro Regional das Artes Roseanas de Sete Lagoas Dia 22 de setembro de 2009
Jorge Solivellas Perelló
Grupo Amantes de Rosa
Era o mês de maio, na fazenda Buriti Bom no cerrado dos Gerais, mês de
maio de cantigas de amor e de passarinhos rolando nos laranjais da horta. Forte
luz solar no arrozeiro dos capins maio maduro. Ando serra abaixo e encosto nas
árvores do aberto cerrado flutuante nas muitas águas verdejantes nas veredas
inclinadas para os brejos e brejões do sertão. As águas calmas sem antiguidade
deslizando nos rios e prateando lagoas entre morros contemplativos a luz das
luas.
Eu, feliz, olho a fileira de buritis aparentemente iguais, expectantes,
braços abertos, robustos. Dançantes. Ao contemplar o horizonte verde,
azulzinho, sinto-me transladado na mais bela e monumental catedral dos tempos
e espaços do mundo civilizado. Será? Como em êxtase, em adoração declamo
essa oração:
Levanta-te,
Oh buriti esbelto! Da fecunda
Terra
Mineira de gente nobre
Que altiva solta os cabelos na venta
Bulhando com a brisa rondante.
Caule verde, de eixo fundo...fundo e firme.
Tradicional.
Oh buriti! Leva-me ao Céu amante.
No Buriti Bom, a fazenda do iô Liodoro, vizinho da Fazenda Grumixã do
sertanejo nhô Gualberto, proprietário do Buriti Grande, alegoria do conto
narrativo das vivas interações entre a natureza asceta do cerrado e as emoções
deliciosas das personagens que identificam o convívio humano do cerrado. Terra
fecunda apaziguada e cultura emoção, tradição que constroem as verdades.
Guimarães Rosa ensina que a vida inteira é um despertar, apenas assim,
não mais que assim: um seguido despertar, de concêntricos sonhos, de um sonho
de dentro de outros sonhos dos outros que também sonham... Até outro despertar
sem fim.”Meu dever é a alegria sem motivo... Meu dever é ser feliz..” Sorria (
Rosa, 2001. p. 300).
Rosa confirma que o movimento do cerrado e povoados dos Gerias se
assenta em três momentos na trama comum da vida, construída pelos indivíduos:
o nascimento; as aventuras no tempo e lugares, no final, a morte real.
O nascimento do filho iô Irvino garantiu a esperança do amor que sustenta
a vida inteira do fazendeiro até cair nos braços e repousar nos macios seios do
corpo desnudo, aberto da Lalinha. – “Anda, você demorou...Temos de encher
bem as horas...”, disse sábia e soezmente Lala, Lalinha, Leandra, a ex-mulher do
Irvino, o filho maior que fugiu com a fogosa e bela preta mulher dama Alcina
(Rosa. 2001.p. 308-309). Na aventura do filho sabido e urbano o pai reencontra
o amor e a alegria do prazer sempre ocultado nas aventuras do cerrado.
Na obra Grande Sertão: Veredas quando Riobaldo, triste e iludido dessa
vida, dialoga com um doutor e confessa: - “nasci para não ter homem igual
em meus gostos. E, ao assistir e proteger o parto duma pobre mulher sertaneja
exclama: - “um menino nasceu, o mundo tornou a começar” (Rosa, 1986.
p.412...).
O tempo na vida comum se passa convivendo com pessoas diferentes e
com coisas, produtos e serviços que a natureza do cerrado de árvores
escultóricas espaçadas sob o tapete de gramíneas; de longos trilhos arenosos
sulcados pelo lento desfile do gado; dos peixes dos rios e lagoas; dos pássaros
mil e dos gaviões vigilantes nos altos morros do horizonte dourado salpicado de
palhoças de vaqueiros e casas grandes das fazendas cercadas de corrais, de
hortas domésticas e jardins, cujas flores, sempre generosas e, ainda mais
formosas, perfumavam salas, quartos e copa da casa patriarcal. Era o tempo em
que os buritis regaçavam sob verdes palmas a velha barriga de cachos de cocos,
tanta castanha, sobre sua trouxa gorda de palha-suja e uns rosários
dependurados, ( Rosa, 2001.p.268). São os dons naturais e frutos cultivados que
Deus nós dá para aprendermos a alegria de viver. Durante o percurso imprevisto
do movimento real da vida e seus afazeres, o mesmo Deus retoma as pessoas
amadas como a bondosa filha Maria Behú, morta tenramente no raiar dum novo
dia. A dor de todos se fazia branda, o buriti apontava o Céu. A vida será o vau
da coragem, do amor, da alegria, (Rosa,1986.pp.266-67).
A vida passa entre os afazeres da casa do Buriti Bom onde o viúvo iõ
Liodoro, moço ainda, era a presença sensível, pacífica, poderosa e provedora
dos objetos de desejo que satisfazem as necessidades vitais das belas filhas
Maria Behú, a virgem piedosa, solidária e convicta da casa, e a bela e social,
irmã dela, Maria da Glória, feita a glória do vaqueiro paquerador sinvergonha o
vizinho nhõ Gual. Gaspar. A beleza de Glorinha era uma beleza mais viva que
o sol e mais branca que a lua. Era um meteoro que caiu do céu para aquecer os
amantes do fértil sertão. Maria da Glória era pegajosa, doce e ardente como licor
de pequi e o vinho do buriti.
Quando morreu Maria Behú, Lalinha se lembrara de uma idéia que nesta
ocasião criaria sentido, por isso, agora, ante o fato real da morte prematura
de Behú era capaz de não chorar por ela apesar de amá-la e compreendê-la.
Aquela idéia sem razão, nem causa alguma voltara: “ Morrer tal vez seja voltar
para a poesia”. ( Rosa, 2001,p.303). No cerrado de Minas brota a poesia. É
o toco, o tronco, o arbusto, a samambaia- do- mato-virgem orlando as muitas
diamantinas cachoeiras. A terra de Minas Gerais transcende.
João Guimarães Rosa no imortal discurso de posse como acadêmico da
Academia Brasileira de Letras, no Rio de Janeiro do dia 16 de novembro de
1967, nas asas da sensibilidade mágica da terra mineira, transferiria os sábios
acadêmicos do mundo para o cerrado a fim de contemplar “os macios morros
e fortes gerais estrelas, verde o mugibundo buriti, buriti e o sempre-viva-dos
Gerais que miúdo viça e enfeita:
-”As pessoas não morrem, ficam encantadas”.
Encantadas ante os amores firmes que anuncia no cerrado o Buriti
Grande, símbolo do caráter místico do ser mineiro.
Bibliografia
GUIMARÃES ROSA, JOÃO. Buriti.In:----Noites do sertão. Rio de Janeiro:
Nova Fronteira, 2001.
GUIMARÃES ROSA, JOÃO .Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova
Fronteira, 1986.
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